o verão se apressa... *************** Ainda não sei como lavrar os dias futuros, mas estou içando as velas para aproveitar o verão que está chegando.... Aproveito para dizer aos meus queridos amigos que estarei de volta depois do Carnaval. Fraternal abraço para todos, José Carlos Sant Anna
Viver
é plantar alegria. Planta-se pela manhã, colhe-se à noite, talvez ao redor de
uma fogueira, com a garrafa de vinho girando entre amigos, sorvida pelo
gargalo. E ainda que doa, nada se pode contra a luz quando ela não cessa de
crescer dentro da gente, como se não houvesse sombras no chão, e a dádiva de se ter a casa no mesmo lugar sempre e, além disso, limpa, tranquila,
inocente, tornando o indivíduo mais leve e, nem por isso, menos
preocupado com o que acontece à sua volta.
Pensando nos caminhos de agora, Teresa, mulher de Chico Bobina, encara os novos
inquilinos que acabam de se instalar, na praça, bem abaixo da linha de pobreza
e da sua janela de gerânios. Já se via, era um casal de ignotos lugares. Não havia pertences, pois,
encobertos pelas árvores da praça e do alto do seu bem-estar e conforto não se vislumbrava
àquela distância qualquer objeto no chão da praça, mas a postura do casal sobre a grama era de posse a estender seus braços silenciosos pelo vazio como se ali houvesse um monte de brinquedos.
Na cadência do verbo, acaba
é um modo de dizer porque os novos vizinhos se comportam como se fossem, há
muito tempo, o dono, sem finos gestos, de um lote na praça e de uma telúrica solidão.
Teresa,
resiliente aos tentáculos da inércia, tira o casaco — está sempre sentindo frio a mulher de
Chico — e nas suas divagações, desde que descobriu o novo inquilino,
diz a si mesmo, já sem fingimento, que não sabia que a praça tinha sido
loteada. E se pergunta: "será que o novo inquilino está se
sentindo à vontade no seu novo endereço, mesmo sabendo que, por detrás de
cortinas, persianas, bandós, ele será, noite e dia, vigiado pelos moradores dos
prédios que circulam a praça?
"E
por que ele finca moradia no chão da praça e deixa tantos rastros?" Pondo um céu em meu sorriso isento, pergunto-me reflexivo. "E como serão os humores desse homem incógnito quando,
à revelia, ele passa a fazer parte da vida da comunidade deste sítio, que traz o
nome de Edvaldo Oliveira, que ninguém sabe quem foi. Como ninguém sabe também
quem é o novo morador da praça!", pondero em seguida.
Por
outro lado, Teresa procura, de qualquer modo, agir como se não tivesse
acontecido nada, sentindo o gosto de centeio da fatia de pão que levara para
comer na varanda, enquanto acompanhava o novo inquilino, de papo pro ar pitando um cigarro em meio ao seu mundo precário como a fumaça que desaparecia embarcando no vento.
Ainda ontem, no velho andar de sempre do antigo casarão, onde rolam as nossas conversas mais triviais, quase sempre regado a um bom vinho e queijos finos, eu soube
que João, filho de Madalena e Pedro, dos tempos idos da Ribeira, lá na cidade baixa, contraiu núpcias, quer dizer, no popular, se casou outra vez. Pois é, pasme, meu caro leitor, João encontrou outra moça ajuizada que aceitou o pedido de casamento dele! Ou seja, para João o mundo não mudou; e também não mudamos nós? É o que me pergunto antes que a flauta se cale no casarão. Bem, pelo menos, sem escárnio, João continua o mesmo, não importa quantas primaveras ele carregue nos ombros. E não são poucas, admitamos! Cá pra nós, o cara já está bem maduro, quase quebrando o cabo da Boa Esperança! "E, apesar disso, quantas loucuras, meu Deus – pensei –, o cara, por hábito, as comete, num
dia sim e no outro também!" Exagero na minha exclamação, eu sei, mas é como se fosse assim mesmo como eu digo, acredite! Eu já perdi as contas neste barco de nuvens construído para que o tempo de vida de João se dissolva em viagens cumpridas por si mesmas. De qualquer modo, é o que lhe digo, quer seja na igreja, quer seja no
civil, em suas andanças casamenteiras, João já tirou e botou o anel de compromisso no seu
dedo anelar esquerdo doze vezes. Sem contar os casos omissos. Explico-me. Não
estão sendo contadas as uniões em que os remos e os rumos foram destroçados
antes da consumação, na igreja ou no civil, como os aqui referidos. Parece que João acredita que se casar é um jogo de baralho em que cada um exibe as cartas e ambos se desnudam. E tudo está resolvido no ter-se e dar-se inteiramente. O cara
gosta de ser dono e escravo ao mesmo tempo. Ninguém sabe o que ocorre depois da unção do padre, pastor ou juiz de paz. O que se sabe mesmo é que, quando um amor acaba, logo começa outro. Tem uma comichão dentro dele. E não consegue deixar de fazê-lo o quanto antes, se possível. Posso dizê-lo com todas letras. Fui testemunha ocular dessa história nas doze vezes
anteriores; conheci as doze noivas, boas moças, por sinal. Todas me chamavam pelo nome
quando já vogavam sem porto e com uma esperança fugaz nos mastros. Perdi o mais
recente casamento de João, o barqueiro seguiu o curso livre das águas sem lembrar-se de mim na
outra margem. Fiquei ruminando o porquê da minha exclusão no rol dos
convidados. As fotos das núpcias vieram pelo zap, cumplicidade comigo de um parente
muito próximo. João não sabe que eu recebi as fotos. Espero da sua parte a lealdade, meu caro
leitor.