Cavou um buraco fundo em busca de uma flor branca. Dissimuladamente. Assim não é possível, assim não tenho vez, alivia meu fardo, meu cansaço, meu chapa, molambeiro das chaves, disse, suando bicas, quase aos gritos sob o cobertor e uma febre alta. Então, mais
dissimuladamente, cascalho sob o barro, escondido, pensou quanto não renderia a flor e quão profunda é essa gente que
cava o topo de um buraco para corrigir a falha de um olho, drenando partículas
rotas, sem que o céu, orlado de nuvens, pudesse esperar para vê-las, estendendo-se pelo
infinito entre um copo de água e uma vela acesa de um baralho cigano, há muito recheado de pó de mico entranhado nas cartas. Em seguida, mastigando rosquinhas de polvilho com pamonha, girou a cabeça para contar detalhes da intimidade maior com
a dor, e o tronco, abatido mas altivo, rua de mão única entre as catacumbas, manto de cal, adernou
sobre as mãos pálidas, sem que desabasse, inapelavelmente, de corpo inteiro pela superfície terrosa da sua sentença. Desde que o mundo é mundo essa
gente vive à sombra, entre o clarão do bosque da saudade esperando que chegue a sua vez e um bando de gentios, numa
adoração que não é de anjo, mas de coveiro. Mas tudo o que Zé das Marmitas queria era entrar no céu imantado em água de colônia e montado numa égua banzeira, como seu pai ensinara a montá-la no beco da Zilda sem usar chicote para desempacá-la! Tardava, o coveiro sabia, mas ele viria! Disso ele tinha certeza.
(José Carlos Sant Anna)