Você já pensou passar uma Tarde com Anões? É rara esta oportunidade. Aconteceu comigo. E pode acontecer
com você também, basta que você o queira. Os anões estão juntos, porém espalhados
pelas livrarias da cidade. São anões de livrarias, urbanos, de algum modo
periféricos, sem que isso os ofenda.
Eu os conheci por meio de Mayrant Gallo. Um deles, por
coincidência. Após a apresentação, eles saltaram para minha mochila e
fizeram ruidosa festa pelo caminho. O
que me interessou, confesso, a partir da apresentação, era o universo que se
descortinava à minha frente, sem que eu pudesse controlar o meu entusiasmo. E o deles. Tudo pelo gozo antecipado, ao se manifestarem, quando Dênisson Padilha fez, em
voz alta, a leitura de Interpretação dos Sonhos, de Eliezer César, ao
compulsar o livro à frente de todos. Deixou Freud inquieto, por ter de repensar àquela altura suas teorias. E
a mim também, pelo desejo lacaniano de cortejar a cada um deles na sua inteireza e
pequenez.
Para quem ainda está tateando nesta linguagem cifrada, aviso que estou falando do livro TARDES Com anões – 7
minicontistas, editora Vento Leste, organizado por Gal Meirelles.
São anões, é verdade, mas tão somente na extensão de
cada texto, pois o que há de densidade em cada uma delas é suficiente para
torná-los gigantes. Digo-lhes com a consciência tranquila porque passei o resto
da tarde com os anões sem perdê-los de vista. Mas sem pressa, pois a sugestão implícita não é a de que deveríamos passar Tardes com anões,
fazendo festa com eles?
Assim, segui a cronologia dos textos. Quase me afogo
nas cortantes ironias em Para dizer que te amo
(I) e (II), de Carlos Barbosa. E levei em conta a observação da ex-aluna ao
dizer-me que em A Análise "a ironia e
o tratamento tragicômico são de absurdo sucesso". Endosso
tais observações. E sem acordar Freud,
voltei à Interpretação
dos Sonhos, afinal tinha ouvido uma leitura dramática. E fiquei pensando na
coleção de vinil que enche o quarto de hóspede lá do meu apartamento ao ler Discos Voadores,
ambos de Eliezer César.
Recentemente me deliciei com a prosa poética de Igor
Rossoni, em Exercício
para Clarineta. Agora, ao ler a breve narrativa Asseio, fiquei
a pensar na empregada que se dependurou também no peitoril do 8º andar, quase
no mesmo instante em que eu fazia a leitura - haja angústia - para limpar os vidros
da janela do apartamento e o tempo que levei esperando para dizer-lhe que não
precisava mais limpá-los, pelo menos do modo como o fazia. Ficava com uma tarefa a menos, mas não escondeu o
olhar contrafeito. Apaguei o olhar e joguei fora a cara feia, não tinha serventia aquele rancor.
Dramas mais doces. E bendito seja o toque
feminino, Lidiane. Ainda que a toada mantenha a mesma tonalidade, a voz é mais
doce. Quase naufrago junto com o noivo em Naufrágio; e em Menina e o Pássaro,
há um acento poético no drama ali exposto, que apanha o leitor segurando a
garganta. Mas Lidi sabe manejar os cordéis. E nada se altera no ritmo das
outras narrativas.
Singulares
os textos de Mayrant Gallo. Aquela Primavera é
um primor de narrativa que me reconduziu à adolescência perdida quando o li
pela primeira vez no Verbo 21. E a Borboleta, que
pousou na cabeça do marinheiro, me fez lembrar a outra achada no cinema no
anedotário popular. Será que alguém se lembra dela?
Também Rafael Rodrigues, em De uma vez, me
trouxe a doce recordação da barba cultivada por quase três dezenas de anos. No dia em
que a tirei, minha filha olhou bem dentro dos meus olhos e disse: “você não é
mais o meu pai”. Também Os versos que dei
sorrindo são evocativos de outras memórias.
Fiquei
inquieto com A
fome de um homem e O início, de
Thiago Lins. E, por enquanto, “Não volto a escutar mais ninguém” como ele
escreve em Vilela. Mastigo cada uma das narrativas de TARDES com anões,
como recomendava o filólogo Antonio Houaiss, ruminando-as.
Só um
pequeno detalhe no arremate que não me satisfez. É que “Nunca esteve ausente ao
prelo” a Branca de Neve, como ali consignado nas páginas finais, pois não só
esteve presente como brindou os leitores com uma apresentação impecável, com
todas as letras, não é mesmo Gal?
(José Carlos Sant Anna)
Publicado no Jornal A Tarde, Caderno 2, p. 5, de 5/11/2011.
(José Carlos Sant Anna)
Publicado no Jornal A Tarde, Caderno 2, p. 5, de 5/11/2011.
Olá, José Carlos!
ResponderExcluirTudo bem com você? me traga um pouco de calor porque eu aqui tremo de frio! rsrs
Anões são um tema misterioso e enigmático. Aliás, como tudo o que foge ao convencional, é.
Beijos
José Carlos, muito divertida a maneira que você apresenta essa coletânea com seus minicontos e seus 7 anões escritores.
ResponderExcluirNa verdade você fala de ótimos contistas e de seus pequenos grandes contos. Nossas Feiras do Livro e Bienais trazem projetos maravilhosos os quais apresentam muito essa reunião de escritores contando ‘das suas’ em coletâneas bem editadas.
Nada tão prazeroso como passear pelas livrarias, Bienais, Feiras e pegar, manusear e sentir o aconchego dos livros. Pra mim é o maior passeio do mundo. E os Sebos?? É de enlouquecer! Descobre-se um mundo maravilhoso. Mas cada ida aos shoppings é uma tarde inteira nas livrarias, e não fazemos mais nada!!
Bela tua postagem regada ao ‘choro’ de Heitor Villa-Lobos.
Beijo, amigo!
Adorei o título, a capa com a simbologia implícita,
ResponderExcluirtodos sinais de se tratar de Arte e a resenha desta
tua apresentação contagiante ao "estilo José Carlos",
só poderemos ter a certeza de minicontos de
literatura de alto nível e originalidade.
Grata pela partilha, meu amigo.
Sim, o vídeo com a interpretação do nosso
orgulho Heitor Villa-Lobos, preciosidade,
meu amigo!...
Beijos e um final de semana feliz para ti!
Pelo que posso perceber foi uma festa para si ler esta antologia, pois a forma como a apresenta é muito interessante.
ResponderExcluirMagnífico o "choro" de Heitor Villa-Lobos!
Um bom fim de semana, meu Amigo.
José Carlos, meu amigo
ResponderExcluirbem sabemos que os homens não se medem aos palmos
nem os contos pelo tamanho
nem os livros pelo número de páginas
e até mesmo, eventualmente, nem os autores pelo volume de livros publicados
por isso te digo com total à vontade qe não sei que mais admirar neste teu poli-facetado texto:
se a destreza do verbo
se a erudição do autor
se a "alegria" das palavras e conceitos, engendrando-se uns nos outros
se até a pulsão "pedagógica" que teimo em ler no latejar do texto.
verdadeiro prazer estético desfrutar da sua leitura. grato
caloroso abraço
JCarlos
ResponderExcluira maneira como nos traz esta crónica...e pela sua escrita divertida, só pode ter sido uma deliciosa leitura
boa semana.
beijinhos
:)
É muito bom quando lemos um livro e ele nos agrada sobremaneira. Já faz tempo em que não consigo levar um livro até ao fim, tal o desapontamento que me causa devido a factores vários, uns de uma maneira outros de outra. O que ando a ver se consigo ler até ao fim foi escrito com o acordo ortográfico (AO90), coisa com que embirro veementemente.
ResponderExcluirPalmas, palmas!...
ResponderExcluirUma deliciosa e original forma de apresentar estes 7 autores... de cuja obra, lamento não estar a par... mas de que não duvido, em momento algum, do valor e lugar conquistados por cada um, no panorama da literatura brasileira...
ResponderExcluirBeijinho!
Ana