Como se eu ainda tivesse o alaúde. São outros os tempos. E rubro ou incolor são os pingos da memória, sem pés ou asas para sustentá-la. Um eclipse. Pular da cama sem fazer nenhum escândalo pode safar o véu da boca de Madalena. Melhor é que não o faça. Seria como, a contragosto, apanhar um viscoso metrô, sem conhecer as linhas e perder-se nos
atalhos das begônias no meio da clorofila dos executivos da classe média, bolinando os rastros no teu corpo salgado. E estão perdidas as fagulhas da piscadela, como um voo da infância? Esqueceu? E a minha alma reserva, entre copas, pergunta: "O que é que houve, Madalena?" "O que é meu não se divide". É o olfato que irriga meus países baixos, por isso me falta talento, incenso e girassóis para este desespero nas ruas vazias sem o meu amolador de
facas. E quanto o velho poeta ficaria surpreso ao ver-me atritando as nuvens ou na vertigem
dos pés em botão nas míseras cadernetas do armazém da esquina. O filho da
mãe, no pasto das estrelas, sempre acrescentava um pouco mais nas contas da
semana. E como ainda somos precoces na hora do choro da saudade, para depois tudo perdermos na aposta. Me espera, vai, me espera! Ainda podemos gozar juntos, Madalena, como uma pele de orvalho na madrugada. Ou como num
poema bem resolvido! Ou então durma! O desamparo é uma traição das marés, e
o teu médico, cubano, não fala bem o português. E tem mais, sem a luz do teu sol,
confesso este meu fado de poeta a emoldurar o fugaz,
enquanto a fumaça do cigarro sobe e se perde pelas frestas das telhas da
cumeeira da casa.
O jantar reunia a pequena família. O cheiro do pescado vindo da cozinha já se espalhava pela sala de jantar deixando o avô ansioso que, sem se dar conta, tilintava ruidosamente os talheres no prato quando, de repente, todos
levantaram a cabeça se voltando para o neto de quatro anos que, cheio de
graça, tirou este coelho da cartola:
– Mãe, quando vai ser o concerto da Neojibá com Vovô do
Prato?