Não sei ficar sem tomar um café depois do almoço. Venha. Pegue ali, no armário, as xícaras. E sente-se aqui, ao meu lado, disse-lhe, contemplando-a com curiosidade. Vou contar-lhe uma história. Ela deu de ombros. Era como se me dissesse permissão concedida. Ou seria outra coisa?
Enquanto bebiam o café, ele começou. Ouça. Poucos minutos se passaram naquela manhã que prometia ser muito afrodisíaca. Mas, antes, deixe-me dizer-lhe que foi preciso dar uma banho de inseticida na antessala da biblioteca para debelar uma nuvem de insetos. Eles não davam sossego sobrevoando a cabeça do casal. Não sabia de onde tinha saído tanto mosquito. E no crivo do primeiro instante, os dois riram muito enquanto mastigavam uma maçã, descascada e repartida em partes iguais. Afinal, tudo não passa de uma mera coincidência, é o que ela lhe diz no diálogo imaginado e possível ao ouvir dizer-lhe que o seu corpo parecia um estopim... As chamas já se propagavam na fala clara do desejo pelas suas veias, é o que imaginou.
— Soletra meu nome, vai — pede-lhe.
— Car-los. — Com uma uma sensualidade à flor da pele, ela soletra o nome dele.
E os dois riram muito com o inusitado daquele pedido extemporâneo.
— Você acha que é falta de imaginação o que estou lhe pedindo? — pergunta-lhe desconcertado.
— Não, não acho.
— Não precisa ficar nervosa — brincou Carlos pedindo-lhe desculpas, ao mesmo tempo em que se refazia do seu nervosismo.
Parecia estar chegando a sua hora, pensou Carlos, enquanto na mídia repercutia a fala do presidente do país em Davos, na Suíça:
— Tenham certeza de que até o final do meu mandato, nossa equipe econômica, liderada pelo ministro Paulo Guedes, nos colocará no ranking dos 50 melhores países para se fazer negócios — dizia enfaticamente o Presidente da República do Brasil, frente às câmeras televisivas.
Riram outra vez como se fosse uma piada o que tinham acabado de ouvir. E não o seria com as trapalhadas do início de governo e o mico de algumas escolhas para o seu ministério?
— Como será explicada a origem do dinheiro da movimentação milionária na conta do Queiroz, o sortudo motorista do futuro senador da República, antes deputado estadual pelo Rio de Janeiro — sopra no ouvido dele, enquanto Carlos, já excitado, diz:
— Você está muito bonita!
— Gostou mesmo do meu look, deste corte de cabelo, — pergunta-lhe escandindo outra vez as duas sílabas do seu nome — Car-los?
E ficou observando-o, enquanto ele simulava uma certa preocupação.
— Estou pensando... — disse.
— Em quê?
Dissimulou.
Em seguida, disse:
— Estou pensando em levá-la para outro lugar, que você vai gostar.
— Como é que você sabe que eu vou gostar?
— Estou adivinhando... — Fingindo o domínio da situação, jogou as cartas na mesa — sei porque sei — brincou.
E riram novamente com a carne em brasa.
Tomada de surpresa e escalando a fome na garganta, cedeu ao apelo de Carlos. Quando deu por si, estavam de mãos dadas atravessando a rua para pegarem o carro que ficara do outro lado, em frente ao café "A gosto".
(José Carlos Sant Anna)