É coisa demais gritando ao mesmo tempo a descoser a impressão que não arreda o pé da pandemia.
Aquele gato em escorpião, olhos enfumaçados, sem mãe, permanece ao deus-dará na esquina.
Aquela sombra sob a marquise no olho da noite é um soco no estômago.
Esquecida, a inércia das longas viagens, sem malas, sem agasalho e sem a comida caseira deixa de ser um improviso que desconheceu os ensaios.
Os santos óleos da dúvida para entender as mãos vazias, os tumultos flagrantes deslizando no ar já não preocupam o olho mágico da porta.
O retrato da vovó – me desculpe, Lis, queria ao menos lhe explicar, mas não há tempo para fazê-lo nesta rede complexa de coincidências e agoras – se desfolhando, enquanto ela reclama do seu confinamento no retângulo da moldura.
As palavras que se negam no meio da noite turva do casal sem filhos.
O grito pálido no silêncio em um lugar cheio de excesso em que o sono é irmão da morte.
O ensaio meticulosamente planejado para um "fora Bolsonaro" achando que as coisas podem dar certo, como se fôssemos os chilenos que elegem para sua assembleia constituinte uma maioria feminina.
Ah, que inveja desse povo que não tem a consciência nos pés, na bola, no carnaval e em outras coisinhas mais!
Maricotinha, onde andarás?
Me desculpe, estou descobrindo que sinto falta da tua pele macia, do teu perfume, minha fruta madura.
Não está na hora de você voltar ao nosso confinamento e deleites, rio abaixo, rio acima?
(José Carlos Sant Anna)
Do Caderno de rascunhos de Tão Preto