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Todo mundo já reparou como os cachorros abanam o
rabo para demonstrar quando eles estão de bem com a vida, quando eles estão
felizes; e não precisa ter um, de qualquer raça, em casa, para sabê-lo. É fácil
perceber o humor dos cachorros, observando-os na rua, em casa de amigos, a
distância, pela janela do seu apartamento ou da sua casa, ou mesmo do portão,
se sua casa for daquelas com um amplo jardim antes do acesso pela porta
principal. Assim estava Tão Preto, superfeliz. Só não abanava o rabo porque não
era um cachorro. E não sendo um cachorro, ele não tinha rabo.
Tão Preto estava feliz – é bom que todos
o saibam. Sou eu quem o diz por que bem o conheço. E se bem o conheço,
digo-lhes que os acasos acontecem na vida e nos deixam, na maioria das
vezes, bem felizes. Um desses acasos seria a viagem que ele faria mal acabasse
a festa na qual se encontrava folgazão. E como ele gostava de viajar.
Paris, Londres, Stuttgart, Moscou. O negócio dele era pegar a mochila e botar o
pé na estrada. Pouco lhe importava se a viagem seria para o subúrbio da sua
cidade natal. Iria com prazer.
O outro acaso é que ele tinha encontrado uma
dama com a qual rodopiara pelos salões do clube a noite inteira, deixando-o
literalmente nas nuvens. Não sei explicar a sintonia que houve com o casal
assim tão de repente... E depois não há mesmo muito o que contar.
"São dois pra lá, dois pra cá", a noite
inteira, o que invejaria Elis Regina, juntamente com Aldir Blanc e João
Bosco. Houve também intensos amassos pelos cantos do salão, ele achando uma
delícia o fruto da amendoeira, que ele ainda não tinha provado, mas parecia ao
alcance das suas mãos.
Assim estavam, assim ficaram os dois pombinhos,
quase por acaso, e apaixonados, trocando juras de amor pelos cantos do salão,
como se já se conhecessem de outras vidas, quando o maestro, regendo os últimos
acordes da pequena orquestra que alegrava o salão, desejava a todos um bom dia,
o que foi respondido em uníssono pelos dançarinos cansados. E, em seguida, os
músicos começaram a guardar os instrumentos.
Tão Preto achou que a festa se prolongaria a dois
por mais algum tempo. Puxou a dama para junto de si, comprimindo-a, ávido, num
abraço de corpo inteiro, imediatamente correspondido, e disse:
– Fica comigo mais um pouco, Laurinha.
– Não posso, amor! Minha irmã e primos estão ali me
esperando. Não posso chegar em casa sem eles.
– Que pena, meu bem! Nos vemos quando então –
perguntou-lhe resoluto depois de um beijo apaixonado.
Olhando bem dentro dos seus olhos, com um sorriso
tímido, disse-lhe:
– Espero você amanhã na minha porta às 19 horas,
para lhe apresentar a meus pais – e deu seu endereço, ali bem próximo do clube,
na Boa viagem. Fê-lo sem pestanejar.
Parecia uma estranha coincidência, mas, para ele,
soou como uma ironia, que ela morasse na Boa Viagem.
Tão Preto gelou. Teve ímpetos de dizer-lhe que quem
gostava de porta era fechadura, mas se limitou a dizer o que aconteceria no dia
seguinte às 7 da matina. E chegou a meter a mão no bolso para provar que dizia
a verdade, exibindo o ticket de embarque, mas recuou, achando que tal atitude
seria uma humilhação para ele, e se limitou a dizer com um ar muito
sério:
– Amanhã, eu não posso. Acompanho meu tio numa
empreitada na vizinha cidade de Aracaju, e não sei se volto vivo.
Essa confissão, assim, abrupta, deve tê-la
assustado, pois, como se fosse uma gata mexendo o rabo, pois os gatos,
diferentes dos cachorros, quando sacodem o rabo é porque estão nervosos, ela
mexeu os cabelos e não esperou qualquer explicação. Desapontada e, como se
fosse uma habilidosa jogadora de futebol, esporte que ainda não tinha virado
coqueluche para as mulheres, bateu de primeira na bola:
– Se não pode vir amanhã, não precisa vir outro
dia, meu caro! – afastando-o deliberadamente com as mãos no seu tórax.
Tão Preto saltou da cama antes de o sol iluminar as
cortinas da janela. O ônibus zarparia às sete da matina com destino à
vizinha cidade de Aracaju.
Ele se levantou da cama cantando tão alto, fazendo
uma inopinada festa, que a sua mãe saiu do sério para que ele a deixasse dormir,
dizendo-lhe que a mochila estava pronta na sala, com tudo que ele iria
precisar, perguntando-lhe em seguida, se ele não tinha juízo, se era hora de
cantar, se ele queria acordar toda a vizinhança de madrugada!
Galhofeiro como ele era, pegou a mochila e
disse-lhe, beijando-a, para acalmá-la:
– Ciao, bambina! Quando eu voltar, conto-lhe uma
história que você vai morrer de rir, mãe – intrigando-a.
E saiu rindo do seu desencontro para encontrar-se
com o tio, na Rodoviária. Ele já o esperava preocupado. Estava em cima da
hora.
(José Carlos Sant Anna)